Foram 17 anos neste mundo complexo da educação a viver muitas experiências como aluna, chegou agora o momento de confrontar o revés da medalha e experimentar um novo papel, o papel de professor. Antevejo esta etapa com crescente ansiedade, a verdade é que me reencontro hoje a reviver idealizações da minha infância. Continuo a responder com toda a certeza àquela pergunta que afama os desejos de criança: o que queres ser quando fores grande? E é bom saber que a resposta que sempre dei enquanto criança, se manteve enquanto adulta e permanecerá enquanto profissional: quero ser professora. Contudo, sinto efervescer uma abcissa de pânico. Revejo-me hoje tal como me revi no primeiro dia de aulas numa escola nova: desconhecida e desorientada. Sinto um medo diferente, um medo que não sei explicar agora, mas que espero vir a compreender no final deste estágio.
É um passo colossal, este que me põe de fronte com a educação, e é para mim uma responsabilidade demais acrescida. Quero crer que terei estofo para esta incumbência, mas a verdade é que por vezes surgem dúvidas se serei ou não capaz. Consola-me o facto de acreditar na educação e acreditar na premissa que um dia ela será reconhecida em todo o seu valor. Acredito que pode ser reconstruída uma escola do futuro, uma escola que represente o valor real da educação, uma escola acreditada por todos. E é na certeza que esta construção merece mais do que o meu simples esforço, merece o meu total empenho, que me vejo encorajada a fazer parte deste mundo.
Encarei sempre o mundo da educação e a arte de ensinar com muito respeito, consideração e apreço. Reconheço muita proeza naqueles que, mesmo cientes das dificuldades do país nesta área, se consolam apenas por este gosto. Entristece-me contudo saber que há ainda muita gente que ignora e rejeita toda a importância que a educação tem realmente para uma sociedade e para o seu progresso.
A educação é o futuro das gerações, é o retracto de um país, é o principal patamar sociológico e o grande responsável pela edificação pessoal. É imperativo então olhar para esta mundividência com a preocupação que a escola constrói. Constrói papéis sociais, constrói trabalhadores e empreendedores, constrói principalmente personalidades. Constrói a nossa sociedade. Esta preocupação deve ser reconhecida com excelência por todos e jamais deve ser esquecida por um qualquer professor, agente directo da educação e responsável por esta mesma construção. Assim nós, futuros professores, devemos estar atentos, receptivos e impositivos à exigência que advém desta responsabilidade.
Rever a importância da educação deixada ao caos como revemos a situação actual do nosso país é um pouco desolador. Continua a ser pouca a consideração dada à educação actualmente, são muitas as contestações e de muitas partes, hoje ouvimos protestos permanentes a tombar sobre todas as coisas ou é o ministério que falha, ou são os professores que impugnam, ou são os alunos que insatisfeitos revoltam-se, ou são os pais incrédulos que se manifestam. É um caos de culpas, sem se saber de quem é a culpa afinal.
Muitas vezes penso nesta indeterminação e tento compreender o que falha no ensino em Portugal. A realidade é que não podemos facilmente descartar culpas para uma só entidade, todas elas se encontram na posição injusta de justificar um fracasso, e a tendência é sempre culpabilizar o próximo sem sequer assentir a culpa própria. Mas a verdade é que se a culpa não é de ninguém, tem de ser de todos.
O imperativo, a meu ver, assenta na necessidade de se refazer a escola, para bem dos alunos, para bem dos professores, para bem da sociedade e para bem do país. Mas refazer a escola como instituição contempla a reestruturação de todas as partes, que neste momento se decoram separadas, e unificá-las num todo. Devemos olhar para a instituição escola com a certeza que não há pesos a contrabalançar outros pesos, nesta escola, todas partes devem pesar de igual modo.
Mas para além da necessidade de todo um processo de reestruturação, a escola sofre actualmente um desnível para com o progresso social e tecnológico. A escola vive hoje ainda à margem do que é a realidade. O ensino tem de largar a sombra do passado ultrapassado, tem de olhar para o futuro e preparar os alunos para esse futuro, tem de lhes mostrar o que é o mundo, e não viver no que ele foi. É assim imperativo que, para além da necessidade progressista em mudar alguns ideais retrógrados, se perspective para a educação mais do que o meio de construir e assimilar aprendizagens, mas fazê-lo da melhor forma possível, com novos projectos, novas ideias, novas concepções e sobretudo com a noção que o impreterível é o bem da aprendizagem dos alunos.
Hoje entristece-me reconhecer que a escola perdeu a preocupação com os alunos, apenas se fala, e em demasia, no o estatuto do professor. Das discussões acesas que assistimos no início deste ano lectivo na televisão e nos jornais, vemos revoltas, vemos manifestações agendadas, e o tema mantém-se. A sedição não é no modo como se tem feito a escola ou como está o nosso sistema de ensino, esse assunto não vem à baila, a preocupação de muitos recai apenas sobre eles próprios. Não ouvimos o sindicato dos professores reflectirem sobre como melhorar o sistema de ensino, contestam senão apenas pelos seus supostos direitos. E que professores são estes que apenas olham para o seu próprio umbigo? Se a única causa de protesto é apenas o que lhes sustenta, como podem eles serem profissionais respeitáveis e dignos educadores? A educação diz muito pouco a muita gente. Eu perdi a fé nestes professores actuais. Acredito que serei diferente.
Eu como futura professora, idealizo a educação de outra forma, mais simples e harmoniosa. Talvez seja pura utopia, talvez seja por ainda não me ter deparado com grandes obstáculos ou talvez por ainda não me ter visto muitas vezes vencida sendo vencedora, mas também prefiro não prever dificuldade e acredito que muitos dos obstáculos que me possam afrontar, irão ser sempre rendidos à minha vontade de os vencer. Espero acima de tudo, ser uma boa profissional, naquilo que eu penso ser um dos mais importantes cargos sociais.
Penso agora nas principais directrizes que advêm do cargo de professor, e apesar de ser complicado planificar a longo prazo, principalmente antes de conhecer todos os intervenientes da minha acção, acredito em alguns valores éticos que corroboram a melhor forma de ensinar. Uma das principais premissas é mesmo esta, a arte de ensinar. E ensinar tem de ser visto não como uma maneira de transmitir conhecimento mas sim como a forma de construir uma aprendizagem. A maior virtude do ensino é a partilha, e é este o ideal que eu gostaria de levar para a escola, desejo que os meus alunos construam comigo o conhecimento.
O que define a educação escolar por si, é que ela não trata só da aprendizagem do aluno, muito menos do ensinamento do professor, mas trata sim de toda uma amplitude que remonta principalmente ao desejo essencial de cada ser humano em adquirir e conquistar conhecimento. E adquire conhecimento o aluno, que absorve os ensinamentos do professor, e adquire também conhecimento o professor que absorve as aprendizagens do aluno. Gostaria assim de poder fazer renascer o dom, que em todos nós existe e que na maioria das crianças e dos adolescentes está adormecido, de querer saber, de ansiar o conhecimento.
A escola tem assim a função de mostrar o desconhecido e dar a descobrir o mundo e toda a sua complexidade. Não pode é nunca esquecer que aliado ao dever de o transmitir se ajusta o direito de o conhecer. E aqui quem assume o protagonismo deve ser o aluno. Cabe-nos a nós, professores, suscitar o interesse e estimular o gosto do conhecimento, para que na escola do futuro se descartem as recusas e as insatisfações e prevaleçam as proezas e os aprazimentos.
Eu como professora terei de ser competente, o bom ensino assenta fortemente numa boa prática metódica. A tendência actual é adjectivar o bom ensino utilizando concepções mais filosóficas como criatividade, cooperatividade, respeito, etc. mas não nos podemos abstrair da base sistemática que regula a prática de ensino. Existe um plano curricular e um conjunto de competências a serem alcançadas pelos alunos que não se adquirem apenas com pedagogias, por parte do professor tem de haver um forte suporte retórico. Para além do gosto por conhecer e transmitir, deve ter o profissionalismo e a responsabilidade de saber em toda a amplitude do que vai ensinar, e saber da melhor forma possível. A competência exigida é mais que meras conjecturas, é sistemática, exigente, trabalhosa e muito metodológica.
Transpondo esta base metódica para a sala de aula, eu como futura professora, quero avançar com uma postura exime de concepções antecipadas. Penso que é arriscado partir com a crença que existe uma pedagogia certa que redige o melhor modelo de ensino. Acredito que a melhor forma de ensinar não é nenhuma, todas as pedagogias, todos os projectos e todas as ferramentas de ensino apenas serão boas pedagogias, bons projectos e boas ferramentas se a elas se ajustar a melhor expressão de aprendizagem. A melhor forma de ensinar é aquela que liga o conhecimento à aprendizagem, e o maior desafio é descobrir qual a forma certa de enlear essa ponte. Para isso é necessário outra bagagem para além daquela que trazemos de antemão, é necessário conhecer a turma, é necessário conhecer o ambiente circundante e sociológico, é necessário compreender cada aluno e cada condição de aprendizagem. Só depois, poderei então conjecturar o melhor meio para conectar, em conjunto, o melhor modelo de ensino/aprendizagem.
Nas ciências naturais, muito mais que em qualquer outra ciência, ajusta-se a vantagem de se tratar o real, muitas vezes facilmente verificável. Penso ser então aceitável prever que o recurso ao mesmo real seja preferível a qualquer outro método, a ciência deve então ser retratada, sempre que possível, com o observável, utilizando o laboratório, utilizando maquetas, levando os alunos ao local, etc. Do observável transpõem-se para o aplicável. Se houver condições e matérias para se experimentar a ciência e com ela construir o conhecimento, então mais bem sucedida será a aprendizagem. Para estas condições, penso que a faculdade me orientou bastantes recursos e de muita utilidade para experimentar a ciência, quer recursos tecnológicos como material pedagógico, falta agora enredar muita imaginação e vontade de concretização.
As técnicas que utilizarei na prática do ensino, contudo só terão razão de ser, se as conjugar com a razão imposta pelo vínculo ético que é previsto pela educação escolar. O educando desfruta da educação para atingir o fim a que é destinado, a sua projecção no mundo e a sua realização pessoal. Porque estes fins estão relacionados com os papéis que o adulto é chamado a desempenhar dentro de uma dada sociedade, a educação, quer como concepção, quer como prática, liga-se aos factores de ordem política, social, económica e cultural que o determinam. Assim, para além do estímulo imediato, terei de precaver e incentivar os novos cidadãos com valores deterministas, como são, principalmente a justiça e a liberdade. E são estes os princípios que eu espero guardar para mim mesma para da melhor forma, poder passar aos outros.
Joana Alves, 10/2006